No reino da fantasia

– Eu vou ser controlador de vôo! – avisou o menino.
– Eu é que vou! – contestou o outro.
– Eu sou mais alto! O papai vai querer eu! – retrucou o primeiro.
– Não vai. Ele vai querer eu porque… porque… eu… Mãe! O papai não quer ele! – apelou o menorzinho, chorando. A mãe intrometeu-se:
– Do que vocês tão falando? Por que você tá chorando?
– O papai vai querer eu de controlador de vôo! – respondeu o pequeno, desabando a chorar. O mais velho tentou explicar:
– É que a gente brinca com os aviões do papai.
– Como assim, filho?
– Então! Pra ele pilotar, alguém tem que segurar o avião e lançar, pra ele poder usar o controle remoto de longe. É isso.

A mãe não entendeu muito bem como aquilo funcionava, mas sentiu que era perigoso. Não estava enganada. O que o pai fazia era colocar um dos meninos pra segurar um aeromodelo, com motores ligados e a hélice em tempo de arrancar um dedo ou uma mão, para que ele pudesse controlá-los num espaço especialmente inadequado, em meio ao trânsito intermitente da rua onde morava. E era sempre assim.

Nos finais de semana em que ficava com os meninos, o pai inventava uma boa maneira de usá-los. Quando estacionava em lugar impróprio e os trancava no carro para correr à farmácia ou à padaria, inventava o nome de uma brincadeira como “Viagem espacial no foguete do papai” e ainda colocava o mais velho como Capitão da nave, transferindo para ele a responsabilidade pelo irmão mais novo.

– Vou explorar o espaço, capitão. Tome conta da nave – informava solene.

Outras vezes, inventava “Aventura submarina”, escorava-se na piscina com uma boa caipirinha e deixava os pequenos se virarem na água. O que não faltava eram “expedições” e “missões”, com o mais velho sempre a bancar o responsável. Pobrezinho, habituou-se ao papel, mesmo fora das brincadeiras.

A irresponsabilidade do pai invadia com passos largos a crueldade. Determinou que os meninos tinham a missão de juntar o papai e a mamãe de novo.

– Vocês tem que convencê-la! É a missão de vocês! – admoestava – O papai já tentou de tudo e não conseguiu. A mamãe deve estar enfeitiçada! – sussurrava, inspirando mistério.

Seduzidos pela fantasia – e pela lábia doce do pai canalha – os meninos logo começaram a apontar vilões e a enxergar inimigos. Foi um pulo para desdenharem da autoridade da mãe, vitimada por um encanto maligno e, portanto, incapaz de divisar a virtude do pai herói.

– Você não gosta mais do papai porque… tá virando… do mal – dizia chorando o mais novo.

O mais velho explanava mais demoradamente, arrazoado. Falava pacientemente em coisas como “abrir os olhos”, “fazê-la ver” e “o papai é tão bonzinho”. Cada frase parecia um eco do que dizia o pai. A cada encontro, o repertório se enchia e retornava mais completo e mais complexo. O pobrezinho, cada vez mais confuso, tinha cada vez mais pena da mãe. Sentia que precisava salvá-la. Sua rainha precisava encontrar seu Príncipe Encantado, sobre quem não tinha nenhuma dúvida.

Expostos a perigos que nem poderiam imaginar, seguiam os meninos sempre ansiosos por encontrar com o pai mágico e aventureiro, que fantasiava ser o melhor pai do mundo. Na brincadeira perigosa que armava inconsequente, não contava com a maturidade crescente dos meninos, que logo superaria a própria, nem contava que a rainha enfeitiçada que queria de volta nunca tinha sido uma donzela em perigo.

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