Mundo pequeno

Colocou o último menino na cama e o beijou na testa automaticamente. O carinho parecia o mesmo, mas havia uma espécie de ausência que se via nos olhos, a cabeça em outros pensamentos. Apagou a luz do quarto, parou no corredor e olhou a casa apagada. Pensou em verificar as portas todas novamente, mas não se moveu. Sentia-se pesada. Confortou-se no hábito que tinha das trancas e entrou para o próprio quarto. Resistiu, como de costume, à vontade de fechar a porta e ter algum sossego. Sonhava dormir até tarde, um dia desses. Apagou a luz, caminhou à cama e parou de pé. Os olhos pesados pediram uma longa piscadela. Oportunistas, alguns pensamentos escaparam naqueles segundos. Como num susto, os olhos se abriram, quase determinando o fim daquela noite de sono.

Hesitou mais um pouco de pé, garantindo que os olhos permanecessem pesados. Pensava se permitia abandonar-se sobre a cama ou se dormia o sono velado de sempre. “Até quando?”, provocou um pensamento que tinha escapado. Ela piscou forte, como se quisesse esmagá-lo com os olhos. Lançou-se na cama, confortada novamente pelo hábito. Ainda que quisesse, seu sono nunca poderia ser irresponsável ou negligente.

O nariz afundado no colchão, o corpo sobre as cobertas, o travesseiro de lado. “Até quando?”, provocou de novo o pensamento. Os olhos, fechados, pesaram como nuvens prestes a precipitar. Virou-se e dissipou o mau tempo, esfregando o rosto demoradamente com as palmas das mãos. Parecia querer redesenhar a própria identidade. Com um movimento rápido, meteu as pernas sob o edredom e ajustou o travesseiro. Encolheu-se e deixou escapar um suspiro de satisfação por estar confortável. Soltou todo o peso da cabeça sobre o travesseiro e sentiu de novo todo o peso do mundo que carregava sozinha sobre as costas. Quis um abraço em que pudesse confiar que tudo ficaria bem, mas recriminou a fantasia, sentindo o rosto envelhecer um bocado, ciente de que esse momento, de estar tudo bem, ainda ia longe no futuro.

Dormiu tendo a companhia costumeira do velho nó na garganta, do queixo apertado e os olhos ardidos, que só evitavam o choro vencidos pelo cansaço. Acordou a mesma rocha onde carregava o mundo pequenino e pesado que tinha. Geriu as primeiras atividades da manhã como se dominasse o tempo que nunca era – nem poderia ser – seu. Tudo pronto, correu à porta da frente e levou a mão à maçaneta com a respiração suspensa, colhendo a primeira certeza do dia. Se o sono dependesse de novo daquela fechadura, ela poderia descansar mais um dia.

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